A boca continuava seca. Fechada. O restante do rosto fachada ainda não me vira e muito menos me veria. Minha insistência em lamentar meu olho sobre ela não surtiu algum resultado. Era ou linda demais, ou uma farsa, daquelas que só se descobre quando já se perdeu todo o tempo do mundo, mas tempo era o que eu mais tinha. A ponta dos seus dedos, de tempo em tempo, lambia o rodapé das páginas e as deixava para trás, como ela certamente fazia com tudo na vida. Aquele livro lhe era agradável. A minha leitura dela lendo era me irritante. Com a outra mão, buscava a xícara que soltava um calor claro sobre sua boca. A boca molha. Ela retorna a xícara à mesa, lambe a página com os dedos mais uma vez e continua a ler. Seria necessário para mim mais do que um simples ruído para chamar a atenção. Desejava o seu olhar, sua boca, quem sabe a voz. Qual o desgraçado motivo de eu não ter ao menos o poder da mente para fazer com que ela me note. Ela puxa uma caneta e anota algo no papel. Fico curioso. Por que não tenho o poder de ler pensamentos. Não vi nem ao menos a capa do livro, para saber o assunto. Quem sabe eu poderia chegar até ela e dizer algo interessante, quem sabe eu poderia esbarrar no garçom e derrubar um suco qualquer nela e depois insistir que o culpado fora eu, que eu pagaria para ela um novo vestido e se ela quisesse, poderia até lhe dar um carro, uma casa, uma família, filhos, netos... Por que eu não tenho o poder?
Ali continua ela, alguns minutos, quem sabe horas e ainda não desviou o olhar para mim. Cheguei até a ter a certeza de que estaria morto. Um fantasma insignificante que se sente preso ao desprezo de alguém. Vira mais uma página. Dá mais um gole. Repete-se e não inova, não me olha. Olha... olha... - continuo insistindo com a mente - e ela não responde. Quem sabe eu pudesse chegar até ela e dizer - olha, eu estava te olhando e queria o seu olhar olhando o meu olhar também - patético. A música pára, o mundo pára e ela não... Não me canso. A luta por atenção vira obsessão, vira descrédito, que vira luta, que vira força, que se perde nas dúvidas e nos medos. Mais uma vez busca um papel e anota. O garçom lhe traz a nota. Ela não me olha e levanta-se. Passa pelo caixa, olha-o, sorri e lhe entrega um papel anotado. Fala algo e vai embora. Mergulho meu olho no meu café já frio. O garçom vem até mim e me dá um papel com a letra feminina: "demorou". Foi aí que descobri que as mulheres têm mais que dois olhos...
[Texto de Walter Henrique Comine Maldonado.]